Isso só poderia ter acontecido em uma mesa de bar, onde os homens verdadeiramente se revelam através de suas palavras...
O conflito da perda (desta vez, da juventude) entra em discussão nesse livro de 1898 - no começo da fase "madura" e autobiográfica do autor. Conrad empresta ao seu pesonagem sua história de viagem ao Oriente; como já foi dito por outro, é interessante observar o que um homem maduro parou para escrever a respeito de tantas primeiras-vezes: É a primeira aparição de Marlow, contando sua primeira viagem, tendo seu primeiro cargo de respeito, navegando junto à outro iniciante.
A perda, das virgindades portanto, é patente.
A fantasiosa biografia do jovem que embarca em um barco deprimente para "Fazer ou Morrer" já anúncia o destino do barco e do homem em suas primeiras estrofes: You fellows know there are those voyages that seem ordered for the illustration of life, that might stand for a symbol of existence. You fight, work, sweat, nearly kill yourself, sometimes do kill yourself, trying to accomplish something- and you can't. Em momento algum, contudo, o Homem ou o Barco se entregam frente à sua inexorável luta: deste pela existência, e daquele pela conquista do seu sonho idealizado.
O Judea é terrivelmente caracterizado desde o princípio. É um objeto que traz problemas ao seu detentor em todos os momentos: Atrasa para sair do ancoradouro, se choca e quebra na sua primeira parada, recolhe a carga três meses depois do combinado, enche de água, a carga incendeia, explode e - finalmente - o leva à pique. Seria um caso particular de falência total sob ponto de vista comercial. Aos olhos de Marlow, contudo, é um caso particular de paixão e empenho, ou daquilo que ele chama de a touch of romance in it, something that made me love the old thing--something that appealed to my youth!
Marlow tem empenho a todo momento. Nunca reclama da situação - não por comodismo ou por repreensão, mas por verdadeiramente explorar, viver e se deliciar com cada um daqueles momentos. É ele quem acompanha o conserto do barco e é ele quem bombeia água para fora e para dentro para manter o barco viável. É ele quem comanda umas das barcas de resgate (a que, pela força da juventude - como ele mesmo diz - chega primeiro à terra firme) e chega vivo vinte anos depois para contar sua história aos convivares.
As interpéries da vida nos são infinitas e irremediáveis. O mar era irremediável para o Judea assim como a experiência era irremediável para Marlow. O barco era poroso assim como era, também, Marlow. A todo momento as interperanças furiosas da vida, arrebatadoras e promotoras de todos tipos de destruição física e psíquica humana, penetram ou extravasam pelos poros existenciais do Ser-Humano. Para manter sua viabilidade, a todo momento Marlow necessitava expusar ou se completar com estas poderosas forças da natureza; a todo momento ele bombeia o elemento externo da água para o elemento interno do navio: Inicialmente ele tenta expulsar essa força que tenta, invarialvelmente e de diferentes formas, penetrar e destruir sua vida; e em um segundo momento ele busca justamente este mesmo elemento para lhe salvar a vida, quando a sua efervecência interna (ou o fogo no porão) ameaça retirar essa mesma vida. Nos dois momentos, é importante notar, o Indivíduo trabalhou com problemas e situações que vinham do porão do navio, i.e., ele teve de trabalhar com os elementos que emergiam das suas profundezas escuras para poder continuar a sobreviver.
Todo esse embate do Homem com o Mar, tendo como interposto o Barco, chega a um fim finalmente. As crepitações internas crescem e emerem e levam o Barco à pique. A cena que Marlow assiste, em seu processo de desvirginação, com intensa emotividade as figuras mais velhas assitem com calma e previsibilidade.
A força da juventude do personagem retorna, então, após esse evento. Posto na liderança de uma das lanchas de resgate o jovem e seus dois camaradas mostram toda a disposição e fazem com que um embarcação bastante simples - que não os engloba nem os separa fisicamente do mundo, como a antiga - chegue a um local que não é o objetivado, porém que serve muito bem como objeto dos sonhos de Marlow. O sonho não é, portanto, conquistado de todo, mas uma situação que se impôs ao longo da vida do Indivíduo o faz pega-la como objeto dos sonhos; ou seja: Marlow consegue um remendo do que era seus sonho. A conquista deste "remendo", conntudo, carrega o vislumbre da conquista de um sonho verdadeiro: It was impalpable and enslaving, like a charm, like a whispered promise of mysterious delight.
É esse então o processo da Juventude? Resguardamos nosso interior com todas as nossas forças e mecânismos que dispomos para que depois este mesmo elemento interior ferva e atinja um ponto em que destrói a carapaça que nos tira do contato direto com as interpéries do mundo; e são estas interpéries, justamente, que nos dão balizamente e ferramentas para moldar toda a efervecência interna - de modo que ela chegue ao ponto de destruir a carapaça que nos recobre (mas que não nos pertence, como o Judea não pertencia a Marlow) mas nos deixe prosseguir navegando - agora em uma condição mais íntima - no mar da vida. Essa situação imposta (e/ou conquistada?) é que nos permite continuar vivendo, mas não para atingir aquele objetivo demasiadamente idealizado que desejamos, e sim para conquistar aquele objeto que nos é possível e ao qual a vida nos permitiu chegar. A conquista deste, contudo, valerá mais.
Sendo contemporâneo às primeiras teorias freudianas, um recado Conrad não deixa passar: O processo da vida só continua a partir do momento que você aplica todas suas forças em consertar aquilo que está em suas entranhas - Marlow cuidava dos porões, nós temos também o que secar e encharcar...